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O conto da Fada-Bebê


Ela olhou para um carinha que estava cruzando seu caminho. Resolveu se aproximar e olhar na sua alma para ver o que havia. O carinha nem percebeu sua presença vindoura, quando de repente, ela chamou-lhe a atenção:

- Ei, qual teu nome, guitarrista?
- João... Mas, por quê?
- Queria ver se você é o que você reflete ser!
- E qual a tua conclusão, docinho?
- Você é obscuro, parece ter uma névoa sobre você... É difícil enxergar-te... Mas parece que, além dessa tua áurea nebulosa, esconde-se uma espécie de criança inocente, que vaga sem destino... Sem objetivo...
- O que te faz pensar isso?
- Algo me diz que você é frustrado com algo...
- Mas o que te faz pensar isso???
- Você carrega essa guitarra como se fosse uma arma, para descarregar balas em alguma coisa...
- Mas o que te faz pensar isso???
- Percebe? Em alguma coisa! – e, ironicamente, ri.
- Cara, você tá viajando!
- Tô não! Tá vendo aquela loja de espelhos?
- Sim, o que tem?
- Venha comigo... Vou te mostrar!

E, curiosamente, acompanhou-a até a tal loja, para ver o que iria acontecer. Ao chegar lá, a menina exclamou:

- Veja...

Ele realmente tentou ver o que ela estava falando. Mas via apenas seu rosto.
O rosto dele estava que parecia que não dormia há alguns dias - realmente muitos dias. Na verdade, ele não dormia faziam dois dias; mas se contássemos numa seqüência intercalada num prazo de duas semanas, ele havia dormido apenas 4. Seus olhos estavam fundos, com umas olheiras acinzentadas.

- O que você busca, guitarreiro? Paz?

O carinha olhou-a nos olhos verdadeiramente pela primeira vez.

- O que você quer saber? Se uso drogas? Uso...
- Não foi isso que te perguntei. Perguntei o que você busca?
- Eu busco é ficar chapado, levemente entorpecido, como dizia Roger – e deu uma risadinha irônica.
- Eu vou te dizer o que você busca, guitarreiro. Você busca vencer uma guerra que não existe, ser herói sem pretexto aparente!
- Você acha que me conhece, filé? Tu me conhece da onde?
- Olhe novamente nos meus olhos, guitarreiro...

Ele tentou. Mas aquela névoa na qual a menina falara a momentos atrás, começou a rodeá-lo, ofuscando-lhe a visão...

- Acho que estou ficando tonto...
- Não, querido, você realmente está se enxergando agora. Consegue ver?
- Ver o que? Acho que não consigo ver nada!
- Olhe aqui, nos meus olhos!
- Vá embora, você está me...

O carinha cai, sua guitarra cai e racha o braço; e ele consegue ver a primeira corda quebrando...

E como se fosse um filme em câmera lenta, ele vê sua mãe morrendo, na sala do parto ao nascer. Os médicos ficam aflitos com o acontecimento e tentam reanimá-la, enquanto a enfermeira o leva para a limpeza. Ele vê uma lágrima cair dos olhos de sua mãe e escuta sua última frase: “Graças a Deus!”.

Ele ouve a segunda corda de sua guitarra quebrar.

E vê seu pai bater na madrasta dele, tirando sangue de seu nariz enquanto ela tenta o proteger por ter quebrado, sem querer, sua garrafa de whisky, 18 anos, caríssima.

E escuta a terceira corda quebrar...

Ele vê-se correndo, fugindo de pessoas que gritavam seu nome dizendo “Ei, filho da puta, volta aqui”. Ouve tiros de uma pistola empunhada por um sujeito todo tatuado. “Vou te pegar para que tu aprenda a não comer a mulher dos outros, tu vai ver”.

A quarta corda se quebra...

Ouve uma criança dizendo: “Papai, me leva para a escola?”. Ele a segura pela mão e diz “Claro, minha filha, vamos, papai te leva!”.

Aos poucos, ele vai acordando. Vê-se rodeado por muitas pessoas e uma mulher dando-lhe tapinhas no rosto dizendo “Acorda, você está bem?”. Ele olha fixamente para os olhos da mulher e diz que sim. E ainda deitado, ele olha para sua guitarra. Vê que a menina ainda segura a sua guitarra. E ela quebra a quinta corda, dizendo:

- Vc entendeu o que eu quis dizer? Agora vc tem apenas mais uma corda...

Ele com um olhar inexplicável diz:

- Deixe a sexta corda. Farei dela a última chance de perdoar a mim mesmo por não enxergar que posso fazer meu futuro sem tropeçar no passado...
- Estarei te vigiando... Se precisar de ajuda, feche os olhos e peça serenidade e sabedoria a Deus. Ele vai te entender...

Ele estica a mão em direção a menina que, aos poucos, parece virar um bebê, cria asas e voa, olhando-o nos olhos, sem desviar o seu mirar.

A mulher que o socorria olhava em direção a onde ele olhava e apontava e nada via, perguntando o que ele estava acontecendo. Ele dizia que vira uma fada quebrando as cordas de sua guitarra. A mulher riu, dizendo: “Você tá é chapado! Devia ter te deixado aí mesmo, pra tu deixa de tirar uma com a cara dos outros”. Todos os que o rodeavam, ficaram chateados (e frustrados) deixando o local com os mesmos pensamentos da atenciosa mulher que o atendera, preocupada. Ele se levanta. Bate a roupa para tirar a poeira e sujeira que empreguinava-lhe a roupa, recuperando-se levemente do acontecido. Ele se levanta, vai até a guitarra e vê que sobrou apenas uma corda: a Dó.

José Francisco Jardim
 05/08/2010

Um comentário:

Anônimo disse...

Sou Obsoleta para escrever mais mesmo assim direi..
Sinto falta do seus contos..
Vc me inspira